quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Desafio de Escrita dos Pássaros # 2.5

redonda
Acordas e tudo o que mais desejavas realizou-se: conta-nos o teu dia.


Acordei e ouvi vozes, a minha avó a conversar com a minha mãe. Levantei-me e fui ter com elas.
Para que o Mundo possa permanecer quase tal como é, não me disseram como é o depois, apenas que existe um, mas não foi preciso dizerem-me para que ficasse então a saber, que não perdemos ninguém, permanecemos ainda que tenuemente ligados, e como haverá um reencontro, existe um sentido.
No resto do dia poderia fazer o que faço sempre, poderiam ter continuado comigo, ou poderia ter sido apenas uma visita breve, sem explicação, mas real.
A minha avó morreu quando eu tinha onze anos e depois dela houve outras perdas, mas aqui estou sobretudo a escrever sobre a primeira.
Quando acontece, o mundo vai ficando mais feio e vazio, e perco também os pedaços de mim de como era com eles, como deixei de ser neta quando deixei de ter avós.
O que mais desejava é esse reencontro ou enquanto estou viva, saber que é possível, que vai suceder, ter esperança ou fé.
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Como é isto no depois
o não acreditar
o culpar-me, porque é que eu não estava lá
culpar-me II - tudo o que deveria ter feito diferente, tudo o que deveria ter feito e não fiz
o não dormir, ouvir o relógio a bater as horas, algo que antes não ouvia
o coração bater disparado como se tivesse estado a correr, durante as horas que não durmo - será um sinal de ansiedade?
a dormência
a raiva, porquê?
o medo, se isto aconteceu, tudo de tão terrivelmente mau pode continuar e voltar a suceder
as difíceis primeiras vezes, esta é a primeira vez no depois que vou trabalhar, ou que vou comprar o jornal, passo por este centro comercial, na vez anterior, no antes, não tinha sucedido, estava connosco, viva
a irrelevância que passa a ter o que antes pareceria bom, como ganhar o euromilhões, se eu ganhasse agora o euromilhões acho que iria chorar porque não tinha sucedido no antes quando podia dividir a felicidade por ganhar, fazer algo com o prémio pelo alguém que já cá não está
o torpor, será que já paguei este bolo que acabo de comprar? quase vou a sair sem o levar comigo, esqueço-me que o pousei sobre a mesa, esqueço-me que foi esse o objectivo que tracei, que me levou até ali
as hesitações sem sentido sobre questões do dia-a-dia nas quais posso ficar presa tempos inconcebíveis, quantas caixas de bolachas é que devo levar? duas ou três? quatro ou cinco?
se está um dia bonito, como é possível que o esteja? que pareça que tudo continua igual como se nada tivesse sucedido
dizerem-nos que é a lei da vida, como é que algo assim pode ser a lei da vida? mas ser capaz, pela idade (maturidade?) que tenho de ver sobretudo a intenção de consolar de quem o diz
como em outras situações em diferentes graus, não quero estar neste filme,
quero fugir mas sei que não é possível
pensar em ir algures, iludir-me que lá estarei melhor, saber que não será assim, a minha dor eu levo-a comigo para onde for
o que é que ajuda?
fazer algo por quem cá fica de quem gostamos e gosta de nós
fazer algo por quem foi, algo com sentido, que sabemos que gostaria
estar com quem gosta de nós, e que nos diz que gosta de nós
pensar não estamos sós
estás agora aqui comigo
escrever
pensar que em breve poderemos ir ao seu encontro
lembrar o que se fez de bem
pensar em como estava quem partiu, lembrar momentos maus normalmente por doença, preocupações, medos, para pensar já não sofre, está melhor
ter esperança, fé, acreditar
e ando também a seleccionar livros para ler
se alguém tiver outra sugestão quero saber qual é



Maria Eugénia Coelho Beltran Pepe Lopes - Geninha

Post sem título - Maria Eugénia Coelho Beltran Pepe Lopes



"Há coisas que não queremos que aconteçam, mas temos de aceitar, coisas que não queremos saber, mas temos de ouvir e pessoas sem as quais não podemos viver, mas temos de deixar partir."
Autor Desconhecido
(como?)


Na Corda Bamba

Se olharmos com atenção para a vida de qualquer pessoa, veremos que viver é andar na corda bamba e será a forma como enfrentamos as dificuldades que nos define.

Maria Eugénia Coelho Beltran Pepe Lopes nasceu a 27 de Outubro de 1932.
Os seus pais, Eugénio Beltran Pepe e Manuela da Conceição Andrade Coelho, tinham tido antes dois filhos, Manuel e Luísa. O primeiro morreu à nascença – imagino a parteira a baptizá-lo à pressa - a segunda, quando ainda não tinha dois anos, de meningite tuberculosa. Morreram antes do seu nascimento, e cresceu como filha única. Faltou-lhe nos momentos difíceis o apoio que poderia ter encontrado nos irmãos, mas teve um primo, cerca de um ano mais novo, com o mesmo nome, Eugénio, que era como um irmão. Ensinou-a a nadar bruços e ela aprendeu tão bem que até nadou no mar alto.
Começou a andar com a ajuda da cadelinha Miss, agarrando-se a ela para os primeiros passos. Depois dela morrer, sendo ainda criança, recordava-a com saudade “a minha Miss que Deus tem” e quem a ouvia, sem ter conhecido a Miss, pensava que falava de uma pessoa, uma ama ou preceptora (teve depois ainda pequena, o Jolie - já o Come-se-há em Meleças adoptou o seu pai - e em adulta, quando morámos em Gondomar, o Fiel e o Wolf, e no Porto, o Tuiqui – não quis ter mais nenhum pelo desgosto em os perder).
Em criança a sua mãe gostava de manter a casa – o 2º andar de um prédio na Duque d’Ávila impecável. Um dia levou um susto porque lhe vieram dizer que a filha de cinco ou seis que deveria estar na marquise, estava a brincar no pátio. Depois de ter observado um menino mais velho a fazê-lo, tinha arranjado forma de chegar lá, descendo pelo exterior, talvez agarrando-se às saliências que encontrou na parede.
Quando era pequenina, a mãe gostava de a mascarar no Carnaval. Ela gostou da fantasia de ratinho por ser quente, já não tanto da do traje regional, de minhota ou saloia, por com elas ter frio.
O pai levava-a para passear e trazia-lhe para provar comidas descritas em livros (do Emílio Salgari e outros) como água de coco. Ultrapassou doenças graves como a difteria, sem os remédios actuais. Para a ajudar na convalescença o seu pai arranjou a Vivenda Geninha em Meleças.
Morava em Lisboa com os seus pais e entrou para o Colégio Alemão logo na infantil (sonhava em alemão). Nessa altura era loura e nos retratos aparece com tranças compridas. Os colegas brincaram com o seu primeiro apelido, imitando um coelho. Para a reconciliar com o seu nome, a mãe Manuela levou-o ao avô Joaquim Guilherme Andrade Coelho que lhe contou sobre homens ilustres que tinham o mesmo apelido.
Quando no colégio aprendeu equitação. Eram crianças e gostavam de uma égua mansinha. Uma vez o professor destinou-lhe um cavalo temido que tinha vindo do exército. Talvez por nesse dia estar aborrecido com alguma coisa, o professor deu uma palmada no cavalo que partiu a galope. Ela conseguiu manter-se sobre o cavalo, sem cair.
Quando ia a casa dos colegas com ambos ou um dos progenitores de nacionalidade alemã, gostava de como eram práticas – sem os naperons e bibelots das casas portuguesas, e de beber cacau quente.
Durante o período da Segunda Guerra Mundial irmãos dos seus colegas combateram e morreram na guerra - os pais de um deles, professores no Colégio, quando o filho mais velho morreu, não vestiram luto porque o filho tinha morrido pela pátria.
Em Lisboa seguiam-se as instruções para pintar os vidros de azul e colocar protecções para que no caso de um bombardeamento os vidros não se partissem e entrassem para o interior das casas, ferindo os seus ocupantes.
Houve racionamento com senhas. A minha avó tentou fazer pão, mas o resultado não foi muito feliz, saíram uns pãezinhos meio insonsos e apesar do meu avô ter dito que a culpa era do forno, não voltou a tentar.
Surgiram novos penteados femininos, “à refugiada”, cabelo preso, em rabo de cavalo ou numa banana, ou curto, penteado pela própria, sem ir ao Cabeleireiro.
Viam-se muito estrangeiros, sobretudo artistas que tinham fugido e queriam ir para os Estados Unidos.
No final da guerra o Colégio Alemão fechou e a minha mãe passou a ter aulas com uma professora contratada que a influenciou a escolher ciências. Via as colegas que seguiram línguas com dificuldades no alemão que ela ultrapassava com facilidade. Acabou por não ir para a Faculdade.
Cortou o cabelo que escurecera curto. Sabia vestir-se bem, parecia uma artista de cinema.
Sem precisar acompanhou a dieta de uma amiga de leite e bananas que queria emagrecer para o casamento (e conseguiu).
Conheceu o meu pai, médico veterinário, por ele ter arranjado um quarto perto. Queixou-se da vez em que no Eléctrico ele veio o caminho todo voltado para trás a olhar para ela. Passou a rondar o prédio onde ela morava, perguntando-lhe por gestos para a janela se o aceitava. Passou pelo crivo dos futuros sogros.
Também o pai dele veio de Trás-os-Montes conhecê-la. Aparentemente gostou dela, mas queria que o filho casasse com uma prima da mesma terra. Marcaram o casamento e pouco antes chegou um telegrama anunciando que o pai estava a morrer. O noivo largou tudo para ir ter com ele e descobrir que afinal estava bem. Isso sucedeu duas vezes. O Padre anunciou que com aquelas desmarcações já não os casava. A minha mãe também aborrecida com o sucedido foi para casa de uns primos no Algarve, onde o meu pai foi procurá-la. Conseguiu convencê-la a dar-lhe mais uma oportunidade e casaram pelo civil. A mãe da noiva que antes até simpatizava com o noivo não quis ir, mas o meu avô foi assistir.
O meu pai concorreu e foi colocado em Paços de Ferreira. Foram morar para lá os dois, numa altura em que ali as mulheres não iam a cafés ou usavam calças em vez de saias, não havia televisão e estava longe da família e dos amigos. Terá sido aí que começou a desenvolver uma depressão.
Ao final de cinco anos conseguiram ter uma filha, um bebé lindo e especial, a minha irmã mais velha, Isabel, logo adorada como primeira neta dos dois lados da família. Seguiram-se mais duas filhas. Antes do nascimento da terceira, morreu o seu pai, e para ajudar a mãe a recuperar pediu-lhe para a ajudar a tomar conta da neta mais nova (o que ela fez assim como das outras até ter de nos deixar cerca de oito anos depois).
Esteve ao lado do marido, nos problemas do seu trabalho e de família, na doença e cirurgias, ajudou-o a voltar à vida.
Desde criança em que foi operada ao apêndice sendo a anestesia com éter (foi para a mesa de operações nos braços do pai) passou por várias cirurgias, ao peito, ao útero, ao braço que partiu numa queda, a úlcera no duodeno, sofreu da tiróide, da vesícula, de osteoporose, de divertículos, sempre com coragem para querer levantar-se no dia seguinte.
Dona-de-casa, cozinheira, costureira, enfermeira, explicadora, professora, cabeleireira, manicura, conselheira.
Melhor mãe do mundo, centro do universo, companheira nos bons e maus momentos, a proteger e a torcer pelas filhas.
Foi apanhada em casa, de surpresa, pela morte, em 5 de Outubro de 2017, antes do seu aniversário.
Foi com espírito de aventura, amor e coragem que enfrentou a corda bamba da vida.
Eugénio José Pepe, nascido a 12 de Outubro de 1934/22 de Agosto de 2019, com 84 anos de idade

Aqui:
"O compositor Eugénio Pepe, criador da música 'Vamos Dormir', morreu hoje, aos 84 anos, na Casa do Artista, em Lisboa, onde se encontrava, disse à Lusa fonte da instituição. 
Nascido em 12 de outubro de 1934, Eugénio José Pepe Costa "foi um dos músicos mais polivalentes na década de 1960, quer como intérprete quer como compositor", como surge descrito no programa Gramofone, de José Carlos Callixto, na RTP.
Vocalista, pianista de boite e compositor, Eugénio Pepe dirigia o seu conjunto, de nome Trio Eugénio Pepe, "onde o humor marcava quase sempre presença".
"O primeiro disco em que surge como titular é editado em 1965 pelo selo Alvorada, da Rádio Triunfo, e inclui as músicas 'Só Bossa Nova', 'Agora Choro à Vontade', 'O Zé da Ribeira' e 'Noiva do Alentejo', todas de sua autoria", pode ler-se na página da RTP, que realça que, no ano seguinte, Pepe fundou a editora Riso & Ritmo, com os atores Armando Cortez e Francisco Nicholson.
No disco seguinte, 'O Fado em Bossa Nova', Pepe apresenta arranjos em bossa nova para clássicos como 'Lisboa à Noite', 'Rua dos Meus Ciúmes' ou 'Rosinha dos Limões', seguindo-se em 1966 um EP que contém "Pepe Fado" que, já neste século, seria alvo de uma versão pelo Real Combo Lisbonense.
"Nos anos 1960, Carlos do Carmo, Tony de Matos ou Ada de Castro tinham sido alguns dos nomes a darem voz às suas composições", refere ainda o Gramofone.
Em 1969, a canção infantil 'Vamos Dormir', com letra de Alexandre O'Neill e música de Eugénio Pepe, é publicada em 'single', levando uma geração de crianças a ir para a cama e sendo precursora da música do famoso boneco Vitinho.
Fotos Cartaz - Eugénio Pepe Melodias nos Combatentes 28-09-2015 (2)Em 2009, Eugénio Pepe foi distinguido pela Sociedade Portuguesa de Autores e em março último foi premiado pelo Teatro Maria Vitória com as Máscaras de Ouro."

Resultado de imagem para Eugénio PepePara nós o primo Eugénio, filho da tia Laura, irmã do meu avó com o mesmo nome, Eugénio Pepe, pai da minha mãe, também uma pessoa excepcional, mas que só pude conhecer pelo que me contavam dele porque morreu quando eu tinha seis meses.
Estive poucas vezes com ele, sei que ele e a minha mãe gostavam um do outro como irmãos. Vi fotografias dos dois pequenos, ouvi as histórias que a minha mãe contava,  e o que ela contava sobre ele ser uma pessoa boa, animada e positiva era confirmado pela sua voz e nos breves encontros.
Quero que o nosso amigo continue presente, espero poder continuar a ler o que escreveu e o que escrevem, falar sobre ele, lembrá-lo.
Este vai ser só um post para lembrar, e vou colocar aqui links para posts noutros blogues, sobre o Rui.
( o seu blogue é Coisas da Fonte ou http://coisas-da-fonte.blogspot.com/

A minha foto

A minha vida quando muito poderia dar um mini-conto bem chato, por isso, irei buscar inspiração para a minha vida dava um filme, à vida da minha avó materna, Manuela da Conceição Andrade Coelho.

Nasceu em Lisboa, a 17 de Junho de 1899, signo gémeos do Zodíaco, serpente no Horóscopo Chinês.  A sua mãe Luísa Barnabé era filha de um juiz, ficou à espera da filha sem ser casada e foi expulsa de casa pelo pai Juiz. A mãe dela e os irmãos visitavam-na às escondidas.
Sustentou-se a si e à filha como costureira. Desde manhã cedo até ao final do dia usava espartilho. Vestia também sob a saia, uma outra  azul escondida por ser monárquica.
O pai da minha avó, Joaquim Guilherme Andrade Coelho perfilhou a filha, assim como tinha perfilhado uma filha mais velha, Laura Flávia e perfilhou depois o filho Vítor que teve com uma outra senhora. Não era adepto do casamento e só no final da vida é que casou com a mãe do último filho.
A minha avó teve uma educação esmerada, fez a 4ª classe, aprendeu  francês e a tocar piano e morou com a sua mãe até aos dezassete anos, depois teve de ir morar para casa do pai, onde também residia a mãe deste.
Quando foi morar com o pai ele estranhou os "mimos" com que a mãe a tinha criado, frustrado com o facto dela não comer atirou-lhe com um prato.
A minha bisavó, sua mãe, morreu aos quarenta anos, penso que do coração, quando a minha avó tinha dezoito anos e ela fechou-se no quarto a chorar e sem comer durante dias.
Na casa do pai, a minha avó ia com a criada às compras e a minha trisavó, sua avó, queixava-se que não era bem servida no Talho, tendo‑lhe retorquido a minha avó que isso sucedia porque o homem do Talho gostava dela. Foi uma tragédia, "caiu o Carmo e a Trindade" a minha trisavó gritou e queixou-se ao filho, que ela era viúva desde jovem e nunca mais tinha olhado sequer para homem nenhum.
A minha avó era muito bonita, tinha o cabelo muito escuro, olhos cinzentos e uma pele muito branca (a sua mãe Luísa Barnabé tinha o cabelo louro escuro e olhos azuis).
O meu bisavó dava pouco dinheiro à minha avó. Ela queria comprar chapéus e ele dizia-lhe que usasse mantilha, aí ela arranjou emprego como modelo, passava roupas para senhoras e já teve dinheiro para os chapéus.
Teve um primeiro noivo que era um rapaz rico e de boas famílias e morreu com uma pneumonia.
Ficou depois noiva de um rapaz que era marinheiro e tinha uns bigodes compridos.
Estava a fazer compras para o enxoval quando conheceu o meu avô, Eugénio Beltran Pepe.
O meu avô nasceu em Serpa, era o mais velho de vários irmãos. Perdeu o pai cedo e assumiu-se como chefe de família. Ainda adolescente veio trabalhar para Lisboa.
Era uma pessoa muito especial, tinha muitos amigos a quem era capaz de dar a camisa que vestia. Nas fotografias vejo-o como um ar simpático, bonito e para o louro. Devia ser um sedutor para ter conseguido arrebatar a minha avó e fazer com que deixasse o noivo número dois.
Casaram e tiveram um primeiro filho que morreu ao nascer. Depois tiveram uma menina de olhos azuis a quem chamaram Luísa. 
Uma das irmãs mais novas do meu avô, Valentina, contraiu  tuberculose - era jovem, bonita e gostava de cantar imitando cantores de ópera - e morreu com vinte e poucos anos. Antes de morrer infelizmente contagiou a sobrinha que teve meningite tuberculose. A minha avó tinha uns óculos especiais de protecção para estar com a filha quando se tentou salvá-la com radiações. Não foi suficiente e a Luisinha morreu com pouco mais de dois anos de idade.
Depois tiveram a minha mãe, Eugénia que cresceu saudável, andou no colégio alemão e tinha tranças louras. O seu cabelo foi escurecendo e chocou as tias ao cortá-lo curto. Um dia conheceu o meu pai, transmontano a trabalhar então em Lisboa. Casaram e foram viver para o Norte. Tiveram três filhas que nasceram todas em Lisboa.
O meu avô morreu quando eu tinha seis meses. Pelo que me contaram, os meus avós eram diferentes mas completavam-se, gostaram sempre um do outro e eram muito amigos. 
Eu conhecia-a como  minha avó,  a vestir-se de escuro, com um carrapito, linda, Contava-nos histórias, fazia-nos cafuné para que dormíssemos a sesta, dava-nos chi-corações  - não havia nenhum abraço como o dela.
Íamos esperá-la à estação ou íamos ter com ela a Lisboa. A sua casa ficava na Avenida Duque de Ávila - um andar arrendado, penso que o 2º esquerdo do nº86 (o prédio já não existe - naquele prédio os vizinhos eram amigos) com um corredor comprido cheio de coisas misteriosas para descobrirmos, como o cavalinho de pau guardado na despensa, a casa de banho com chão de losangos pretos e brancos e tina com pés, o quarto com a janela para uma rua estreita e escura, a sala com uma pele de leão e o piano. 

A certa altura passou a ficar connosco mas sempre com saudades de Lisboa, dos seus amigos e da sua casa. E estava connosco quando morreu do coração.

Desafio de Escrita dos Pássaros, 1º Tema: Problemas, só problemas

redonda

Eu vou trabalhar, como, durmo, às vezes brinco e rio, sou capaz de gostar dos que me são próximos e de actos de gentileza para com eles e para com alguns estranhos. Não estou deprimida, mas passou a fazer parte de mim esta tristeza. Marca-me a saudade, a falta dos que já cá não estão. Preciso de acreditar que há um depois, mas por vezes, não consigo. Quando olho para trás, queria até os momentos de problemas mais sérios e graves quando os que me faltam, estavam ainda comigo.
Este é um texto mais livre sobre problemas e o que me trouxeram os anos. Sei que a vida acontece e os problemas, muitos deles, passam, e surgem outros. Passa o bom e o mau. Por isso o que tento é não juntar todos os problemas, pegar no primeiro que aparece e tratar de o resolver, ou, se não puder, passar ao seguinte, e tentar aproveitar nos momentos o que há de bom.

Desafio de escrita dos pássaros #3 Uma aventura ou momento marcante

redonda
Quando a minha avó morreu, a minha mãe teve de tratar de tudo para entregar a casa ao senhorio. Um apartamento num prédio na Av. Duque d’Avila que já foi deitado abaixo.
Nessa altura fizemos várias viagens a Lisboa, de comboio ou de camionete.
Para a minha mãe deve ter sido muito difícil e triste, para mim, havia algo de aventura e a morte não era ainda bem real.
Em Lisboa alguns taxistas suscitaram o problema mas aceitaram levar-nos aos cinco, o meu pai à frente e atrás a minha mãe, muito elegante, e as três filhas, a minha irmã mais velha com catorze anos, e eu e a minha irmã mais nova com onze e nove anos, ainda bem miúdas e magrizelas.
Nos Mercedes Táxi cabíamos perfeitamente.
Numa noite em que regressámos de camionete esperamos muito tempo até chegar um táxi e aqui, no Porto, o motorista foi peremptório, não nos levava aos cinco.
 O meu pai disse então que iria a pé, até porque tendo levado tanto tempo até chegar um táxi, não faria muito sentido ficar o mesmo tempo ou mais à espera do próximo.
A minha mãe não queria que ele ficasse sozinho, mas com três filhas e as malas, não via como irmos todos a pé.
Aí, eu disse que ia com ele. O táxi afastou-se com a minha mãe, as minhas irmãs e as malas e nós iniciámos o passeio.
Era bem tarde e não se via ninguém pelas ruas, mas não senti receio, dei a mão ao meu pai, tentei acompanhar os seus passos e conversámos até chegarmos a casa.
Lá havia luz e a minha mãe tinha feito torradas e café com leite para comermos.
Senti-me feliz por ver que a minha mãe tinha gostado que o meu pai não fosse sozinho, ter conseguido acompanhar os seus passos e estarmos depois todos juntos, em casa, a cearmos as torradas e o café com leite.


Consegui, estive no workshop de Iniciação à Cozinha Vegetariana com Gabriela Oliveira.
O que fizemos por lá:
Seitan caseiro
Folhados de seitan
Strogonof de seitan e tempeh com cogumelos shiitake e marron
Tofu salteado com especiarias
Tabule de Quinoa
Salada de grão com abacate
Maionese vegetal (muito boa) e
Bolo delícia de morango e amora
A minha participação , além de tomar notas, foi cortar em quadradinhos algum Tofu
(e obtive um autógrafo da autora  no livro Cozinha Vegetariana para quem quer ser saudavel)

Desafio de Escrita dos Pássaros, 8º Tema: Carta para a criança que fui

redonda
 Carta para a criança que fui
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Está-me cá a parecer que o melhor é não te dizer muito, mesmo quase nada, porque acho que até foste mais ou menos feliz, não quereria estragar isso.
O que é que eu te poderia dizer?
Para teres menos receio, ousares mais…mas depois ainda ousas demais, cais dentro de um buraco e não chegas a adolescente.
Abraça mais o presente e aqueles que estão aí contigo, mas sei que à tua maneira o estás a fazer. Lembro-me da intensidade com que vivia quase tudo, como do centro do universo um pequeno problema me poderia reduzir à minha real insignificância. Poderia dizer-te que tudo isso passará, não era assim tão mau, um dia não irás recordar nem metade desses dramas.
Talvez o único conselho que te poderia dar é: quando receberes de prenda aquele diário com chave, que ainda tenho por aqui, pensares um pouco melhor no que vais lá escrever, porque aquilo a nível dos temas está uma desgraça, e para teres cuidado com os erros, uma vergonha, afinal já tinhas dez anos, deverias ser capaz de escrever melhor (nem com o acordo ortográfico lá ias).
Pronto, seria só isto. Aproveita os bons momentos, vive-os, sê só um pouco mais corajosa se conseguires, e se quiseres escrever naquele Diário, esquece, ou adia  por um ano ou dois, ou cinco…

Desafio de Escrita dos Pássaros, 11º Tema: Um dia na vida de Spassky

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Acordo e saio para passeio matinal com humano ou humana a meu cargo. Adoro passear e quero sempre ir, mas não gosto lá muito quando chove.
No regresso levam-me para casa da avó porque vão trabalhar. Sei que ela é frágil e não pode levar-me a passear por isso em casa dela sou menos efusivo e farto-me de dormir. Ela tapa-me com uma mantinha.
Vêm-me buscar ao final do dia, às vezes humana traz a irmã (a tia, que está a escrever por mim) e  fico super entusiasmado quando os vejo, damos uma pequena volta ali perto e seguimos de carro para casa. Vou bem atento ao que se passa ao redor, e às vezes zango-me quando vejo algum dos meus inimigos na minha zona.
 A seguir como – comida de uma latinha, sempre pouca, poderia comer muito mais, e vamos passear. Aproveito para marcar território e socializar sobretudo com algumas cadelinhas. Ao jantar deles, peço, mas não me dão comida, só de vez em quando alguns biscoitos, poucos. Estou super atento para apanhar alguma coisa que possa cair ao chão, até guardanapos de papel, mas depois é uma luta para os conseguir comer.
 Percebo bem o que me dizem, mas normalmente gosto é de fazer a minha vontade, como seguir à frente nos passeios, e parar quando querem regressar, e posso até dificultar quando resolvem levar-me ao colo para casa, depende. Normalmente ganho muitas festas de todos, não percebo é porque não entendem que quero biscoitos quando fico a olhar fixamente para o lugar onde os guardam…

Desafio de Escrita dos Pássaros, 10º Tema: Já chegámos, já chegámos?

redonda
- Já chegamos, já chegamos?
- Ainda não, mas não perguntaram ainda há pouco? Respondia pacientemente a minha mãe.
Olho pela janela. Sabia que ainda não tínhamos chegado, que faltava ainda muito, tanto! Uma das minhas irmãs dormia, a outra também parecia que ia adormecer, mas eu permanecia acordada (ao meu lado, a minha boneca Joaninha, que levava para todo o lado, e tinha inclusive uma pequena mala improvisada, com um pijama e dois vestidos: um azul feito pela minha avó e um com bolinhas amarelas, feito pela costureira de um retalho de tecido). Pela janela do lado direito via ora a estrada, ora os carros com que nos cruzávamos, pela do lado esquerdo, árvores, erva, monte. A paisagem ia mudando. Primeiro, muitos edifícios, depois só algumas casas, árvores altas e verdes, depois também rareavam as árvores, via mais erva e monte, espaçadas as oliveiras, e restos de incêndios, chagas castanhas e despidas no meio dos montes.
Os meus pais pareciam concentrados na viagem, o meu pai na condução, a minha mãe em mil e uma coisas para que tudo corresse bem.
Mais perto, sentíamos o cheiro das estevas – não havia ar condicionado, pelas janelas entreabertas entrava calor.
Sabia que quando chegássemos à aldeia, iria reencontrar os meus avós, alguns primos e primas que não reconhecia, e o meu pai iria rejuvenescer no papel de filho.
Por lá estava também a burrinha, que a minha irmã mais nova iria querer logo ver, os biscoitos em argola, o pão de trigo, a lareira, o chão da casa com tabuas compridas e não muito direitas, o silêncio à noite, e o cantar do galo de madrugada.
Queria hoje poder fazer essa viagem, o durante, enquanto não chegamos e o depois, vivo-o nas recordações.

Desafio de Escrita dos Pássaros, 17º Tema - Luz e sombra

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Luz e sombra
Para haver sombra tem de haver luz, senão cairíamos na escuridão, tão completa que nada conseguiríamos ver.
O tema fez-me pensar na pintura, em como através do sombreado se consegue o volume, a dimensão.
Desde criança que achava que conseguia desenhar alguma coisa (completamente iludida, claro). Ainda no liceu descobri uma casa na Rua Sampaio Bruno onde vendiam telas e tintas. Fui lá com a minha mãe pelo menos uma vez, outras vezes sozinha. Para se entrar, tínhamos de passar primeiro por um corredor barbearia, com duas ou três cadeiras onde o Barbeiro atendia senhores e não sei se não parava por lá também um engraxador, com a caixa de madeira com o assento para o cliente e lugar para guardar a graxa e escova.
Subíamos por degraus de madeira inclinados e lá em cima, numa sala pequena cheia de luz, estavam as telas e tintas, todas bastante caras, mesmo com o desconto de estudante.
Fui para as mais baratas e fiz alguns retratos em pastel. Depois tentei o óleo mas comprei uma única tela e pequenina. Tentei pintar um céu, mas não correu lá muito bem. Planeei pintar por cima alguma outra coisa, até hoje.
Bem mais tarde, inscrevi-me num atelier de pintura indicado por um amigo. Primeiro ficava em Leça, perto de uma Casa Museu que fui visitar. Depois mudaram-se para uma casa antiga no Marquês – também com degraus de madeira inclinados e uma sala com muita luz e cheiro a tinta.
Adorei as aulas sobretudo pelos professores e pelos colegas  - chegámos a ter um jantar com disfarces no dia das Bruxas e uma exposição pelo Natal.
Tentei pintar uma dona-redonda e não correu lá muito bem, e depois, a partir de uma fotografia, um auto-retrato, com um resultado final ligeiramente melhor (pudera, tinha a fotografia aumentada).
Talvez um destes dias volte a tentar pintar e me lembre da luz, da sombra e deste desafio.
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Gémea da feiticeira da Branca Neve, não da bruxa, mas da rainha madrasta, na beleza e severidade. Não sorria, não revelava qualquer enternecimento pelas ervilhas a seu cargo. A sala dividida para a 1ª e para a 2ª classes, num Colégio de Padres, reguadas permitidas, e a ameaça de ser levado ao sério-severo Padre-director para os reincidentes impenitentes.
Não tive infantil, por minha culpa – com dois anos insistiu a Educadora que poderia ficar com a minha irmã de cinco. Desatei num choro mal me vi abandonada. Deixou‑me à porta para dar a aula e fechei-os à chave na sala. Um aluno herói teve de pular pela janela para os libertar. Na saída, a Educadora concordou com a minha mãe, eu era muito pequena.
Aos seis, estava entusiasmada com a primeira classe. Finalmente ia aprender a ler e a escrever: pá, pé, piu, pua, pipa, pópó, pai e papá, a tia, tua tia, titi, a tia tapa o pote.
Aventuras sucessivas e intensidade face ao hoje descolorido, mas serão mais fáceis os dias com menos variações.
No então, castigava a Professora cada erro do ditado com uma reguada. Na sala o Nuno triste levava às vezes vinte, o Mário sorridente, nenhuma.
Ensinou-me a Paula como escapar à hora da tabuada. Já sabia até à dos cinco, mas seria uma aventura. Era só preciso antes pedir para ir à casa de banho. Pedimos as duas, fugimos as duas. Enganámos a bruxa-feiticeira, mas lá fora, sozinhas, nada acontecia.
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Talvez fosse só professora, rodeada de bruxinhos alunos, barulhentos, infantis, a repetirem os erros uns dos outros, ano após ano, monotonia e cinzentismo, não era o que esperara, feiticeira desencantada.

Com ela aprendi a escrever e a ler, primeiro as legendas na televisão, depois os livros, os cinco e os sete e todos os outros.
Tive uma ideia
(mini-mini texto com memórias)

Quando eu era criança, uma vez fui ver com a minha mãe a definição de "Idiota" num Dicionário e, entre outras, estava lá: "alguém que tem muitas ideias".
Tornou-se depois algo entre nós, se eu dissesse que tinha tido uma ideia ou alguém o dissesse, responder-se que era muito idiota, brincando com o outro sentido.