terça-feira, 28 de julho de 2020

Nós

Nós
(3.2.1925-28.7.2020)
Preciso de um sinal

Preciso de um milagre

Em 20.7
O meu pai caiu, magoou-se na cabeça e foi para o S. João. Por causa do Covid, estão suspensas as visitas, e é difícil conseguirmos ser atendidos pelo telefone. Quando nos atendem, às vezes fico animada, outras vezes fico com medo. Queria tanto que ele voltasse para casa e estivesse bem.
Em 27.7
Apanhou uma pneumonia com uma bactéria hospitalar. Deixaram que o fossemos visitar duas vezes, no dia 22.7, quando se falava em infecção respiratória, e hoje. No dia 22.7 parecia melhor, hoje, não estava bem. Lá pensei como o meu pai é um homem bonito, como teve uma vida difícil e em como queria que ele voltasse para casa connosco e estivesse bem.
Nós podemos chorar e rezar e não sei se posso ter esperança. Não sei o que fazer.
Em 28.7
Ele caiu no dia 14. Melhorou do traumatismo da queda mas está muito mal pela pneumonia. Precisamos de um milagre.
Gábi

domingo, 5 de julho de 2020

Alcino Do Fundo Lopes

Aos cinco anos voei.
Estávamos no jardim em frente ao prédio onde morávamos e consegui que a minha irmã mais velha me emprestasse a sua bicicleta. Só tinha rodinhas de um dos lados, do outro podíamos cair se não a segurássemos, colocando a perna no chão quando parávamos.
Nesse final de tarde pedalei com força e ia depressa. Não via bem o chão, sentia a rapidez.
A roda de frente foi contra uma pedra que a travou e eu sai projectada.
Voei.
Lembro-me da sensação até à aterragem.
Ganhei um galo na testa e a vergonha de ter caído.
Depois tive de conformar-me com o meu triciclo azul. Tinha um defeito: com facilidade, levantava a frente, e caímos para trás. Depois de vários bate-cus, aprendi como fazer para o evitar. Mantinha-se o perigo para quem não o soubesse, como aconteceu ao colega que desafiou o meu aviso.
Continuei com o sonho de ter uma bicicleta, mas cresci e já não a esperava.
Tinha catorze anos, estava sol, e não deve ter sido pelos meus anos, porque nasci no Inverno.
Não me lembro de um aviso antes, nem de a escolher ou saber que aí vinha.

Para poder ser uma surpresa foi antes um segredo.

O meu pai trouxe-me uma bicicleta. Vermelha, e sem rodinhas.

Já não me lembrava de como andar. Ele estava comigo na rua quando ganhei coragem para pedalar e andei sozinha sem ele atrás a segurar-me. Acho que ele me disse para andar que ia segurar-me e eu andei. Lembrei-me de como era e de como colocar os pés no chão para não cair quando parava.
Fiz mais passeios em sonhos com essa bicicleta do que reais. Não cai com ela, só voei na minha imaginação.


O melhor Pai do Mundo
Alcino Do Fundo Lopes
Nasceu a 3 de Fevereiro de 1925 - 28.7.2020