quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Eu disse ao meu pai que ele ia chegar aos cem anos e passar.
Acreditei no que dizia

Há dias ele estava aqui, podia ouvi-lo, podia falar com ele, conversar, fazer alguma coisa por ele, podia tê-lo abraçado, dar-lhe um beijo de boa noite.
Não quero habituar-me à sua ausência
Quero que esteja aqui.

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

A caneta

O papa queria a sua caneta.
Não me lembrava bem de como era, nem sabia onde estava.
Procurei-a nos lugares mais prováveis: as gavetas da secretária na sala e da cómoda no quarto. Não a encontrei.
Fui buscar uma minha nova que nunca tinha usado. Fora-me oferecida por uma amiga porque sim ou por colegas num aniversário.
Não a quis.
A dele escrevia muito bem. Muito melhor do que aquela que lhe trouxe e não quis sequer experimentar.
A dele acompanhou-o nos anos em que trabalhou como médico veterinário, mais de quarenta anos, para escrever e assinar receitas. Tê-la-á usado também nos contratos para compra de carro e da casa e na emissão de cheques – o meu pai não queria cartões. Tinha uma letra muito bonita, quando escrevia ou quando assinava o seu nome: Alcino Do Fundo Lopes.
Quando éramos crianças ainda não havia telemóveis e aprendemos a atender e a anotar as chamadas. Tínhamos de ficar com o nome e o número de telefone e uma ideia do que era preciso, como “tirar as secundinas” - algo relacionado com um parto complicado de uma vaca. Às vezes íamos com ele. Metia o carro por estradas secundárias  ou caminhos de terra até chegar onde era preciso. Vinha ter com ele o lavrador ou criador. Quando havia cães a ladrar eu tinha medo e preferia ficar no carro, mas cheguei a brincar com os filhos quando estavam por lá.

Disse-lhe que o ajudaria a encontrar a caneta no dia seguinte. Não o fiz. Porque me esqueci ou tinha algo muito importante a fazer.
Dias depois o meu pai morreu.
Se agora encontrar a caneta acho que vou chorar.
Queria ter sido melhor e queria ter-lhe mostrado muito mais como gosto tanto dele.

domingo, 2 de agosto de 2020

Às vezes a dor parece insuportável e inultrapassável, outras vezes porque estava ocupada e a pensar em algo diferente, parece uma traição, uma traição que a vida continue.
Pensei que a dor maior era a morte da minha mãe, mas as dores não se comparam, não têm uma escala como não deve ter o amor. Agora dói tanto pelo meu pai. Queria tanto que ele estivesse aqui, queria ter-lhe mostrado mais como gosto tanto dele.