quinta-feira, 26 de abril de 2018

orgulho-me do que não me lembro ou só me lembre vagamente como estando bem, de ter sido um bebe que raramente chorava
vivíamos num prédio, os vizinhos sabiam que a nossa mãe ia ter mais um filho e quando ela regressou tinham algum receio de perguntar o que sucedera porque não me ouviam chorar
e tudo isto depois da minha irmã mais velha ter sido terrível, muitas vezes por estar doente, outras vezes, descobriu a minha mãe que enquanto dormia, ia puxar o seu próprio cabelo, sentia a dor, acordava e chorava
houve um dia que ela com três anos, três anos e meio nos fechou às duas num quarto, chorou, vomitou, enquanto a nossa mãe preocupada com as duas não a conseguia convencer a dar de novo a volta à chave na fechadura, foi depois o empregado simpático de um café que ficava em baixo do prédio que a convenceu, ou fez cair a chave sobre um jornal ou entrou pela janela - penso que a terceira opção é que será a certa, e enquanto durava tudo isto, eu permaneci a dormir calmamente
quando era criança a minha avó dizia que eu tinha uma grande cabeça e notavam que eu tinha a testa alta não por me acharem cabeçuda mas inteligente
Às vezes, estou a fazer alguma coisa como fazia antes e parece-me sem sentido,
como se representasse o que era a minha vida
ou descobrisse agora que já não tinha sentido
porque podia acontecer o que aconteceu