terça-feira, 3 de agosto de 2021

Recordações

Em Argoselo ficávamos na casa dos meus avós, três casas seguidas, uma construída pelo avó, outra pelo bisavô, a terceira mais caída, e uma parte nova atrás, com madeira mais clara, onde depois tinham construído dois quartos e a casa de banho. Havia uma ponte entre casas de onde se via o quintal. À noite os sons eram diferentes. De manhã ouvíamos os galos. 

Tenho uma ideia de ter estado com o meu avô na varanda da casa mais velha e de lá haver espigas de milho. 

Ouvir como eram plantadas as batatas.

A avozinha Gracinda oferecia-nos biscoitos argolas e chocolates brancos. Dava-nos medalhinhas, acho que moedas também, que entregávamos à nossa mãe que as guardava.

Entrava-se pela cozinha, com lareira e fogão e panelas azuis.

Em baixo era guardada uma burrinha. Às vezes íamos ver os campos com ela. Duas das propriedades eram especiais por terem água, Miozinho e as Lagoas.

Íamos para lá no Verão e cheirava a estevas. Nos campos havia uvas moscatel.

Havia a Festa de S. Bartolomeu no dia 24 de Agosto.

Na casa da minha avó em Lisboa, o 1º ou 2º andar esquerdo, acho que o nº86 de um prédio da Avenida Duque d'Avila que já não existe, os tectos eram altos e decorados. Um corredor comprido levava às divisões. No início a sala com uma pele de leão e o piano que dava para o quarto dos avós. ao fundo a casa de jantar com mobília escura, paredes vermelha, a marquise que era o escritório do avô e ao lado a cozinha, também com um marquise onde havia um quartinho com uma pia. A casa de banho tinha uma tina/banheira com pés e um chão de quadrados brancos e pretos, qual tabuleiro de damas ou xadrez.No corredor uma dispensa onde guardavam um cavalinho de brincar e onde encontrámos uma harmónica que eu aprendi a tocar. Bebíamos leite ou café com leite por canecas.

À noite ouvíamos o Metropolitano, comboios debaixo do chão. No meio da avenida, árvores. Havia dois passeios habituais, ao Jardim Zoológico e ao Parque Eduardo VII.

Havia na esquina uma leitaria famosa com galões escuros.

Em cada viagem reencontrávamos esses espaços diferentes.

Casa até aos meus seis anos era o apartamento em Paços de Ferreira, dos seis aos doze a casa em Gondomar, com um quintal com abóboras e galinhas, e depois a casa no Porto, na rua larga com passeios e na altura pouco trânsito onde podíamos jogar badmington.  

Quando eramos crianças e no início da adolescência tínhamos normalmente duas pequenas viagens no Verão. A casa dos avós paternos em Argozelo de carro. A casa da avozinha em Lisboa, mais de comboio ou camionete. 

Fazia muito calor. O carro do meu pai não tinha ar condicionado. Não sei se nessa altura já algum carro o teria, talvez carros muito caros. Havia dois pontos críticos no caminho para Argozelo, as voltas do Marão e as voltas de Murça. A minha mãe vestia-nos com vestidos bonitos para vermos os nossos avós, mas com o calor deixava-nos tirar o vestido e ficávamos em combinação. Havia paragens para comprar figos e numa fonte de água fresquinha no Marão.

Para Lisboa de camionete lembro-me das paragens nas estações de serviço em que as filas para a casa de banho das senhoras eram sempre enormes. Não percebia então como é que os homens se despachavam tão mais depressa.

Houve uma vez em que pelo trânsito a camionete seguia atrasada e uma das minhas irmãs estava apertada. A minha mãe foi pedir ao condutor para parar. Já atrasado ele não queria mas vários passageiros pediram-lhe para parar pela menina. Quando a camionete parou, saíram tantos passageiros apertados que foi difícil à minha mãe encontrar uma árvore ou arbusto para ir com a minha irmã.

Lembro também das ideias da minha irmã mais nova para não enjoarmos na viagem. Uma vez com a teoria que tínhamos de comer maçãs, outra bolos de gema. Acho que nenhuma das teorias resultou.


segunda-feira, 2 de agosto de 2021

28 de Julho de 2021 - Alcino Do Fundo Lopes

 1º Aniversário

À tarde vi um carro parecido com o último do meu pai, um BMW cinzento. Pouco depois saí a pé, passei por locais onde estive com ele ou fui lá por ele. A loja de roupa na Rua da Constituição, a que se chama Lisboa no Porto na Costa Cabral. Antes o espaço da antiga Confeitaria Lima 5, agora fechada, depois de ter passado para outra gerência que não se comparava à anterior. Na primeira havia uma mesa redonda com chocolates e bombons entre as portas, as mesas e as luzes eram amarelas, quentes e convidativas. Fresco no Verão, quente no Inverno. Fui lá com o meu pai pelas natas que ele dizia serem as melhores. Fui lá mais tarde comprar natas para ele. Passei ao pé da Confeitaria Eça onde fui com ele tomar café, no tempo em que eu não gostava de café e pedia um carioca, e ofereciam a opção por paus de canela em vez de colheres. No final o meu pai abria o porta-moedas para pagar o café e carioca e deixava também uma moedinha para o funcionário que nos atendia. Era lá que ele ia comprar o bolo-rei pelo Natal ou miniaturas. Na Praça Velasquez, agora Francisco Sá Carneiro, os Cafés Bom-Dia e Velasquez. O meu pai ia lá tomar café ao fim-de-semana e à noite durante a semana. Tinha um grupo de conhecidos e amigos e ficavam lá a conversar. Na Confeitaria Cristal Palace foi antes a Primazia onde ao fim de semana o meu pai comprava regueifa, às vezes fiambre, não sei se as latas de atum tenório para um almoço de vez em quando.

Fui a uma missa com as minhas irmãs e o Paulo. Disseram o seu nome duas vezes, Alcino Do Fundo Lopes. Pensei no que ele diria sobre o Padre se estivesse ali. Reparei em duas senhoras de idade com cabelos brancos, brilhantes e lindos.